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domingo, 31 de outubro de 2021
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
MARIANA IANELLI
Para amanhã
Faz tua casa um fragmento de alma,
cobre o teu pensamento.
Vai, que estás em tempo de colher-te,
um minuto para ser teu.
Interrompe tuas regatas desbravadas,
saídas das marinas solitárias,
e retribui para terra a demonstração das tuas patas.
Que não há segunda vez,
um homem se esgalha da marga ou desiste.
Para terra dá teus domingos desagradáveis e os risíveis.
Fica lasso, pétala urdida no sol e na água.
Vai, capaz de crescer.
- Mariana Ianelli, em "Duas chagas". São Paulo: Iluminuras, 2001.
sábado, 23 de outubro de 2021
ROSA ALICE BRANCO
Arte Poética
Gostaria de começar com uma pergunta
ou então com o simples facto
das rosas que daqui se vêem
entrarem no poema.
O que é então o poema?
um tecido de orifícios por onde
entra o corpo
sentado à mesa e o modo
como as rosas me espreitam da
janela?
Lá fora um jardineiro trabalha,
uma criança corre, uma gota de
orvalho
acaba de evaporar-se e a humidade do
ar
não entra no poema.
Amanhã estará murcha aquela rosa:
poderá escolher o epitáfio, a mão
que a sepulte
e depois entrar num canteiro do poema,
enquanto um botão abre em verso
livre
lá fora onde pulsa o rumor do dia.
O que são as rosas dentro e fora
do poema? Onde estou eu no verso em
que
a criança se atirou ao chão cansada
de correr?
E são horas do almoço do jardineiro!
Como se fosse indiferente a gota de
orvalho
ter ou não entrado no poema!
Rosa Alice Branco
Soletrar o Dia Obra poética
Vila Nova de Famalicão, Quasi
Edições, 2002
Biografia AQUI
domingo, 17 de outubro de 2021
ALAÍDE FOPPA
ELA E A FORTUNA
Acaso é a flor
que se desfolha em sua mão,
o pássaro que foge
pela janela aberta,
o vento
que de repente infla suas velas,
porém sendo vento
ele passa e voa.
Ah a Fortuna
é para ela
o resplendor fugitivo
de uma manhã de sol,
de uma hora,
de um arco-íris
trêmulo e evanescente
que se estende
sobre um abismo deslumbrado…
A Fortuna é o que não se tem,
e é tão perfeita
tão rica e esplêndida
a sua imagem,
que empobrece
as pequenas alegrias
de todos os dias:
os frutos de sua horta
onde não crescem
laranjas de ouro,
as rosas
de seu modesto jardim,
que logo murcham,
o timbre claro das vozes
que por vezes estão próximas,
e até mesmo o riso
que se apaga em seus lábios
dissipado
por um invisível sopro.
Biografia AQUI
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
MARIA FIRMINA DOS REIS
Confissão
Embalde, te juro, quisera fugir-te,
Negar-te os extremos de ardente paixão:
Embalde, quisera dizer-te: - não sinto
Prender-me à existência profunda afeição.
Embalde! é loucura. Se penso um momento,
Se juro ofendida meus ferros quebrar:
Rebelde meu peito, mais ama querer-te,
Meu peito mais ama de amor delirar.
E as longas vigílias, - e os negros fantasmas,
Que os sonhos povoam, se intento dormir,
Se ameigam aos encantos, que tu me despertas,
Se posso a teu lado venturas fruir.
E as dores no peito dormentes se acalmam.
E eu julgo teu riso credor de um favor:
E eu sinto minh'alma de novo exaltar-se,
Rendida aos sublimes mistérios do amor.
Não digas, é crime - que amar-te não sei,
Que fria te nego meus doces extremos...
Eu amo adorar-te melhor do que a vida,
melhor que a existência que tanto queremos.
Deixara eu de amar-te, quisera um momento,
Que a vida eu deixara também de gozar!
Delírio, ou loucura - sou cega em querer-te,
Sou louca... perdida, só sei te adorar.
- Maria Firmina dos Reis, em "Cantos à beira mar". São Luís do Maranhão, 1871, p. 79-80.
domingo, 3 de outubro de 2021
CLAUDIA VILA MOLINA
ESTUDOS DO PASSADO
Percorro o círculo das primeiras coisas, meu corpo é um lapso de tua mente
Viajas até o passado
Onde as sombras espalham murmúrios e ouvimos o derretimento
dos objetos como palavras pausadas no filme
Choras antes que o relógio cante
Meu cabelo cresce em direção às últimas telas e dói em ti esse latejo
Domado diante das paisagens
As pessoas se detêm diante disso
E seguem
Porém a rota mostra peregrinos, a luz se esconde em nosso disfarce
Acaso é a expectativa?
Essa voz que cruza imperfeita a caminho dos pântanos
E naquela encosta
Riachos de água descem da rocha, mas o espaço se mostra
Solitário como teus filhos
Nos custa esperar
Nos custa seguir aceitando os eventos
Isso é a paz? Esta é uma palavra que não pronuncio?
Biografia AQUI