Bloquear botão direito do mouse: Bloquear seleção de texto: Bloquear tecla Ctrl+C/Ctrl+V: Bloquear arrastar e soltar:

Seguidores

terça-feira, 24 de março de 2020

ALDA LARA



NOITE

Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares...,
perdidas em mistérios...
Há cantos de tungurúluas pelos ares!...
....................................................
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros...
......................................................
Noites africanas tenebrosas...,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...

E os meninos brancos cresceram,
e  esqueceram
as histórias...

Por isso as noites são tristes...
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes... como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas...
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas...

É que os meninos brancos...,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas...

Os meninos-brancos... esqueceram!...


Alda Lara

Nota : Alda Lara é uma das minhas poetas de  eleição e já faz parte desta galeria AQUI podem ler uma pequena biografia.

segunda-feira, 16 de março de 2020

ADALGISA NERY



POEMA AO FAROL DA ILHA RASA



O aviso da vida
Passa a noite inteira dentro do meu quarto
Piscando o olho.
Diz que vigia o meu sono
Lá da escuridão dos mares
E que me pajeia até o sol chegar.
Por isso grita em cores
Sobre meu corpo adormecido ou
Dividindo em compassos coloridos
As minhas longas insónias.
Branco
Vermelho
Branco
Vermelho
O farol é como a vida
Nunca me disse: Verde.



Biografia AQUI

domingo, 8 de março de 2020

8 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Porque hoje é o Dia Internacional da Mulher, pela primeira vez, trago a este blogue um post que não é de poesia. Abro esta exceção, em homenagem a todas as Celestes que sofrem na carne e na alma, toda a espécie de ignomínia, por esse mundo de Cristo. Quem me acompanha no Sexta, conhece este texto, mas neste blogue pairam vários leitores que nunca foram ao Sexta. 




                                           CELESTE


Mal o despertador tocou, Celeste saltou da cama. Lavou-se a correr e foi para a cozinha. Com gestos completamente automatizados, pegou no isqueiro e acendeu o fogão. Era noite ainda, mas Celeste trabalhava longe. Começou a fazer o almoço, para ela e para o marido. Uma lágrima soltou-se e veio cair no alguidar onde tinha as batatas para descascar. Estava cansada. Cansada daquela vida de miséria física e moral em que se encontrava. Onde tinham ficado os sonhos de menina? -Interrogou-se enquanto acabava de descascar as batatas. Onde a ilusão de um homem bonito, que se apaixonasse por ela e lhe desse uma vida de amor e felicidade?
Juntou duas postas de bacalhau às batatas e o sal, quase sem dar por isso absorta nas suas recordações.
Celeste era uma mulher bonita, sem ser nenhuma beleza estonteante. Era pequena, de pele trigueira, com aquela cor das pessoas que vivem à beira-mar. Tinha o cabelo preto e uns olhos castanhos, que muitas vezes se enchiam de lágrimas. Era uma menina ainda, com toda a inocência dos seus quinze anos quando conheceu aquele que era o seu marido.
Afonso era um homem bonito. Mais velho e mais vivido, não foi difícil apoderar-se do coraçãozinho de menina que batia no peito da Celeste.
Casaram um ano depois. Celeste já carregava no ventre um filho. Ainda menina, teve que aprender a ser mãe, e a cuidar daquele pequeno ser, que Deus lhe quisera enviar.
Depressa se apercebeu que o marido não era o príncipe com quem sonhara. Um dia, tinha o filho três meses, Afonso saiu depois do jantar, deixando-a em casa com o filho, e só regressou depois da meia-noite completamente bêbado.
Como se fora um autómato, Celeste apagou o fogão, escorreu a água às batatas e dividiu a comida pelos dois termos. Pegou as duas lancheiras, que estavam em cima do aparador, colocou um termo em cada uma, juntou uma carcaça do dia anterior, uma pêra e um garfo. Encheu uma garrafa de meio litro de tinto e colocou numa das lancheiras. Foi ao quarto e acordou o marido. Na volta pôs um pano de cozinha em cada lancheira e fechou-as.
Tirou as chaves que estavam na porta, pegou na carteira, e na lancheira, e atirou um seco até logo, saindo de seguida. Não foi ao quarto despedir-se do marido. Há muito que não trocavam um beijo carinhoso.
Enquanto se dirigia à paragem do autocarro, na cabeça fervilhavam as recordações, dos olhos soltavam-se as lágrimas.
O filho crescera e saíra de casa. Nunca se sentira lá muito bem, nem tivera uma relação de amor com o pai. E assim que se empregou, arranjou uma casita e foi morar sozinho. A sua vida ficara então mais triste, sem a presença do filho.
Já lhe ocorrera pedir o divórcio. Porém o medo e a vergonha sempre a faziam desistir da ideia.
Recordou a primeira vez que o marido lhe batera. E a desculpa com que teve que encobrir, perante a família, a vergonha e a dor que sentia tanto ou mais do que os hematomas. E os dias sem lhe falar. Dias em que ela lhe gritava o nome de manhã antes de sair de casa, e não se falavam mais.
Como agora que não se falavam desde que há oito dias ele lhe tinha voltado a bater. E tudo por causa do álcool. Mordeu os lábios para abafar um soluço ao lembrar - se daquela noite. Ela já dormia, quando Afonso chegou. E estava tão cansada que nem deu por ele se deitar. Acordou com o peso do marido em cima dela. E aquele bafo nauseabundo de bêbado. Quis empurra-lo, fugir da cama. Mas não conseguiu. Ele era muito mais forte e puxara-lhe os cabelos com violência. Virou o rosto e isso enfureceu mais " a besta". Porque Celeste não reconhecia mais o marido naquele selvagem. Quando consumados os seus intentos se virou para o lado e adormeceu, ela levantou-se e meteu-se debaixo do chuveiro. Esfregou o corpo com raiva, enquanto as lágrimas se misturavam à água. Voltou para a cama, e acomodou-se tentando não tocar no marido. Não dormiu mais. E agora enquanto esperava pelo autocarro, pensava que rumo dar à sua vida. O amor que sentira um dia por aquele homem, já sofrera muitas alterações. Foi raiva, medo, ódio, desprezo e agora era também nojo.
De repente saído do nada, veio-lhe à memória, o poema de António Gedeão.

Anda Luísa,
Luísa sobe...
Sobe que sobe,
Sobe a calçada...

Sacudiu a cabeça, ao mesmo tempo que pensava, se o poeta saberia da sua existência.
É que aquela Luísa era ela...


FIM

 Elvira Carvalho



terça-feira, 3 de março de 2020

NOTÍCIAS


Boa tarde.
Como sabem fui hoje ao hospital de Santa Maria, à consulta por causa da cirurgia feita no passado dia 20.
Ora bem, aquilo que aconteceu é que eu tive o que se pode dizer, "meia consulta".
Eu explico. Como vos contei, na verdade eu fiz duas cirurgias numa, ou como os médicos chamaram, uma cirurgia combinada, a primeira relacionada com a retina, a segunda com o transplante da córnea.
Hoje fui atendida pela médica que fez a parte relacionada com a retina. Examinou-me, disse-me que em relação a essa parte, estava tudo bem, e perguntou-me quando ia tirar os pontos da córnea.
-Não sei, ninguém me disse nada - respondi
-Então ainda não foi à consulta com o doutor que lhe fez o transplante da córnea? - perguntou
- Só me deram um papel para esta consulta - respondi.
- Bom vou pedir que lhe marquem a consulta, porque essa parte não é comigo, têm que ser o médico que lhe fez o transplante que tem que ver como está e marcar a data para tirar os pontos. O que eu lhe posso dizer é que está em franco processo de cicatrização, não há sinais de rejeição nem infeção.
-Senhora doutora, e ver? - pergunto com uma certa ansiedade
-Ah! para isso é ainda muito cedo, não fique nervosa.
E pronto depois de mais uns esclarecimentos que lhe pedi em relação aos cuidados daqui para a frente, fui entregar o pedido da consulta com o cirurgião que fez o transplante, na secretaria, onde me disseram que o cirurgião se encontra doente e depois me avisam pelo telefone logo que a consulta seja marcada.
E pronto... é tudo.