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domingo, 30 de junho de 2024

SARA ALMEIDA SANTOS - SAUDADE




 SAUDADE


Saudade
De mim, de ti, de nós, dos outros
O tempo revela-se a cada instante
Inseparável da perda, inimigo do esquecimento
Não cura tudo, apenas o que queremos que cure
Passa por nós como se fossemos pequenas gotas de chuva
Acaricia-nos como a brisa de Verão num final de tarde
Dá-nos alento
Desespera-nos
Brinca como uma criança teimosa
Corremos atrás dele como se fosse uma fonte de energia inesgotável
Por vezes ignorámo-lo
Deixámo-lo a rir-se de nós
Com a indiferença de quem não vê, de quem não sente
Ele é omnipresente, tal como ela
A saudade
Eternamente insatisfeita
Perpetuada pelo tempo


Biografia  AQUI

domingo, 23 de junho de 2024

TERESA GUEDES - É NORMAL GOSTAR DE ROSAS

 



É NORMAL GOSTAR DE ROSAS


É normal gostar de rosas

É caro oferecer orquídeas

É suave colher lírios,

É original compor um ramo de flores silvestres.

Mas eu só gosto de miosótis:

São pequenos como eu,

Têm a insignificância dos meus olhos azuis,

Mas na sua dimensão minúscula

Tentam atingir a perfeição.


Biografia AQUI

domingo, 16 de junho de 2024

GIOVANNA POLLAROLO

 




FAÇO DE CONTAS QUE DURMO
a cada noite
rezo para que ele chegue mais tarde
e não me toque
há anos que odeio seu cheiro, as pontas de seu bigode
seus arquejos
o rosto
a baba, o suor
fecho os olhos até que acabe
dura pouco porém demasiado
mal me dá tempo para pensar
no fio de uma faca.


Biografia AQUI

domingo, 9 de junho de 2024

ROSA ALICE BRANCO -RETRATO PUÍDO NAS ENTRANHAS



 RETRATO PUÍDO NAS ENTRANHAS


Palmeiras inclinadas. Ao longe o casario.
É na água que o vejo, que sinto a cidade acordar.
Mais uma mulher que olha o rio. Tenho as mãos desatadas,
os pés a caminho. As margens alargam quando estou perto,
mas do outro lado as mulheres não reflectem
o rosto ou mesmo a sua ausência.
São matéria do verbo fazer e caminham junto ao chão,
na curva da noite para o marido. Gastos os sonhos por usar.
Descorado pano que ficou ao sol. Nelas a cidade não acorda,
não regressam os barcos à tardinha.
Vêm pela beira dos caminhos, a tristeza amável,
a raiva cega e às vezes um sorriso que sacode os ombros
porque até a tristeza tem um custo, uma esperança
na sola do sapato. Vejo-as todos os dias e é como se a vida
me atasse os pés, me anelasse os dedos. Como eu,
outras mulheres olhando o rio, desbordando o pano,
descozendo a sopa. Ama-se o homem que vira a esquina
connosco e sabe que não podemos fingir que a ferida
está fechada. As casas acendem.
É na água que vejo a sua luz descendo o rio.
As mulheres passam em silêncio para as casas,
atravessam a pele – deixam um retracto puído nas entranhas.
Olho o rio e não sei fingir que finjo tanto mar.



Biografia AQUI

sábado, 1 de junho de 2024

FÁTIMA LANGA - CRIANÇA






Criança

 Tu ! Que a ninguém pediste para vir ao mundo.

Tu! Que és o fruto daquele grande amor!
Daquele amor que leigos e jurados testemunharam
Daquele amor fogoso, de muita mentira
Daquele amor selvagem
Daquela violência que marcou tua mãe para todo o sempre
Por tudo isso, criança
Muito amor e muita rejeição te marcam.
Então não vejo?
Vejo sim criança!
Vejo quando divagas com a manada à procura de pasto.
Chova, troveje ou debaixo do sol árido estás ali!
Vejo nas grandes escolas lá da cidade alta
Quando logo pela manhã, bem equipado, o carro te deixa à porta do colégio
Quando desces do Chapa e cuidadosamente atravessas as largas Avenidas
Quando te metes naquela modesta rua a caminho da escola
Quando com camisola e sapatilhas rotas lutas por vencer a pobreza
Quando passo por ti ali no passeio encostado à padaria com uma bacia
vendendo badjias
Quando com uma caixa de papelão repleta de quinquilharias interpelas a todos
Tentando ganhar qualquer coisinha.
Quando junto ao semáforo te aproximas de cada carro pedindo uma moeda
Ó criança,
Ergue a cabeça
Ergue a cabeça e grite bem alto pelos teus direitos
Grite e lute com todas as armas e forças, pois,
Criança! Tu és o nosso amanhã
O País conta contigo amanhã.


Fátima Langa


Biografia AQUIAQUI