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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

SALLETE TAVARES

reedição




Aqui me encontrarás


Aqui me encontrarás

dormindo-me silêncio

no fumo que os telhados

perfumam de pinheiro,

aqui me encontrarás

e a lua no meu ombro

vermelha do ardor

meu sangue companheiro.

Eco que eu sou

na morte de uma era

aninham os meus braços

outonos de fulgores

e os pássaros da noite

em seus olhos de espera

escutam o arfar

do perfume das cores.

Aqui me encontrarás

floresta de vermelho

segredo de vulcão

zumbindo-me no peito

aqui me encontrarás

quente fornalha de espelho

brasa amarela de vida

sol da cor com que me enfeito.

Minha forma uma montanha

de seios que a lua aquece

meus braços caminhos de água

por toda a serra a descer

recorta-me a tarde morta

perfil que o céu enlouquece

rumor remanso de frágua

brilho lunar a correr.

Prata de frio entornada,

carreiro meu sangue d´albas

esplendor de muro húmido

em leques de fetos verdes

langores de musgo veludo

em sombra de plantas malvas

em ti me sei e me escuto,

em ti me escorro e me bebo.

Aqui me encontrarás tão de longe navegada

afago de ares anjos

no oceano de uma asa

nesta terra em que me mostro

aqui de além coroada

sou água que a chuva traz

à sua primeira casa.



Salette Tavares



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Salette Tavares nasceu em 1922, em Moçambique, então uma colónia portuguesa, na cidade de Lourenço Marques (hoje em dia Maputo). Aos onze anos mudou-se com a sua família para Sintra, Portugal, e viveu em Lisboa até 1994, ano em que morreu aos 72 anos.
Fez o curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Universidade de Lisboa, licenciando-se em 1948 com a tese Aproximação ao pensamento concreto de Gabriel Marcel, que seria publicada nesse mesmo ano, em Lisboa. Traduziu os Pensamentos, de Pascal, e As maravilhas do cinema, de Georges Sadoul. Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian para fazer uma especialização em Estética, em França e na Itália, onde trabalhou com Mikel Dufrenne, Étienne Souriau e Gillo Dorfles. Em 1964, a seguir à publicação do primeiro Caderno da Poesia Experimental, faz uma visita a Nova Iorque onde visita vários museus na companhia do seu amigo poeta Frank O'Hara, tendo estudado arquitectura moderna com Philip Johnson. Durante o auge da produção concretista portuguesa, em 1965, lecciona Estética na Sociedade Nacional de Belas Artes, e publica as lições correspondentes, sem ilustrações, na revista Brotéria. Um livro com essas mesmas lições, mas completas, intitulado “A dialética das formas”, estava composto em 1972, mas nunca foi publicado. Em 1979, teve uma retrospectiva da sua poesia visual na Galeria Quadrum, numa exposição chamada “Brincar”.

Biografia retirada da net

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

LAURA LIUZZI


ORQUESTRA
Não há cortina
para esconder os músicos
nem mesmo a música
se esconde nos instrumentos.
Está tudo aos olhos da platéia
porque a sinfonia não se pode ver
senão nos gestos do maestro.
À minha frente, antes do primeiro
comando, pode estar o violoncelista
em terno preto, como muitos ouvintes.
Quando se sentam os músicos
cada um em seu tempo afina
seu instrumento e acerta a folha
da primeira sinfonia: confusa algaravia.
Então vem o regente
sob uma saraivada de palmas
com sua vara de condão.
Os músicos ajeitam a coluna
alisam os traços do rosto
e encaram o maestro
que, com dois olhos apenas
cruza com todos que têm nele a mira
buscando a confirmação
de que pode começar.
Tão logo soerga
a batuta e soe
o primeiro acorde
ouve-se, milagrosamente, o silêncio.

Laura Liuzzi


Biografia AQUI