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terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

LAURA RIDING



VERDADE



Sempre procuramos a Verdade.
Ela tem medo de ser pega.
Livros são gaiolas.
Verdade não é um canário
Para ciscar palavras com paciência
E morrer depois de comer todas.

A verdade não gostaria de viver
Na cabeça ou na garganta ou no coração de alguém.
Não tente acha-la ali.

A verdade não é dríade pra ser punida numa árvore
A verdade não é nenhuma náiade.
A verdade certamente se afogaria numa fonte.

Deixe a terra em paz.
A verdade não deixa pegadas.
Não escute
Até o silencio se pôr com a lua.
A verdade não faz ruídos.
Não siga a luz
Que segue o sol
Que segue a noite.
A verdade dança além da luz
E do sol
E da noite.
A verdade não pode ser vista.

Deixe a curiosidade ficar em casa.
Ela pode se perder.
(A verdade frequenta antros estranhos.)
Se, criança, o segredo se calça,
Um dia será imprudência.

Deixe a verdade em paz.
A verdade não pode ser pega.
Acho que ela não vive nada, não,
Pois teria medo de morrer, então.
.



- Laura Riding "Mindscapes - poemas". [seleção tradução e introdução Rodrigo Garcia Lopes]. São Paulo: Iluminuras, 2004.



Biografia AQUI

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

OLGA SAVARY




Amanhã

Se devoras teus sonhos
quando se ensaiam apenas
e secamente represas
essa linguagem de flores
e teu desejo de asas
que restam subterrâneas,
quem serás tu, depois
do grande sono, amanhã?

- Olga Savary (Caieiras, janeiro 1954), em "Repertório selvagem: Obra Reunida". Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; MultiMais Edições; Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.


Biografia AQUI


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E HOJE TAMBÉM ESTOU NO BLOGUE DA NOSSA AMIGA GRACITA.
AQUI   SE PUDEREM VÃO ATÉ LÁ

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

ADRIANE GARCIA



Vó preta
Minha avó morreu hoje
Não creio que mortos
Descansem
Creio sim que vivos
Percorrem
O caminho entre as tumbas
Cansados
Passam pássaros em revoada
Um cão tranquilo adota uma lápide
Crianças não dão a mínima
Para o que não seja
Brinquedo
Eu sinto o odor incômodo
Dos crisântemos
Arrancados.


Biografia AQUI

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

NYDIA BONETTI






3 poemas de Nydia Bonetti



a caixa miúda a vida pequena
o verso raro
hoje tudo é pouco e o rio é raso
já não canta
se arrasta em ruídos
num fio
que se esquiva das pedras
do fundo
quase seco




- Nydia Bonetti, em "Sumi-ê". São Paulo: Editora Patuá, 2013.



a imensa - a árvore - me faz voltar
à infância
flores - o que meus olhos viam
     eu desejava os frutos
as mãos se aventuram na vertical
vertigem
dos galhos altos
    eu desejava o vento



- Nydia Bonetti, em "Sumi-ê". São Paulo: Editora Patuá, 2013.



a tarde dourada no campo de centeio
não diz das chuvas
     diz do sol
embora quase noite
diz do pão
      embora as mãos vazias
      diz de nós - na janela do dia

que já passou





- Nydia Bonetti, em "Sumi-ê". São Paulo: Editora Patuá, 2013.



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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

ANNA AKHMÁTOVA






Cleópatra
                                                                            Os palácios de Alexandria
                                                                            Cobriram-se de sombras suaves.
                                                                                                            PÚSCHKIN

Ela já beijara os lábios de António, sem vida,

E chorava, de joelhos, ante Augusto, vencida…
E os servos a traíram. Sob a águia de Roma
As trombetas ressoam. E o crepúsculo assoma.

E chega o último escravo de sua beleza,

Alto e solene, num sussurro, ele pondera:
“Vão te levar para ele… em triunfo… como presa…”
Mas a curva do colo do cisne não se altera.

Amanhã acorrentarão seus filhos. Pouco lhe resta:

Brincar com este rapaz até perder a mente
E, de piedade, a víbora negra – último gesto –
Depor no peito moreno com a mão indiferente.

1940

.

Клеопатра

Александрийские чертоги
Покрыла сладостная тень.
Пушкин

Уже целовала Антония мертвые губы,

Уже на коленях пред Августом слезы лила...
И предали слуги. Грохочут победные трубы
Под римским орлом, и вечерняя стелется мгла.

И входит последний плененный ее красотою,

Высокий и статный, и шепчет в смятении он:
«Тебя — как рабыню... в триумфе пошлет пред собою...»
Но шеи лебяжьей все так же спокоен наклон.

А завтра детей закуют. О, как мало осталось

Ей дела на свете — еще с мужиком пошутить
И черную змейку, как будто прощальную жалость,
На смуглую грудь равнодушной рукой положить.

1940

- Anna Akhmátova (А́нна Ахма́това), no livro "Poesia da recusa". [organização e tradução Augusto de Campos]. Coleção signos 42. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006.





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sábado, 6 de fevereiro de 2021

LILA RIPOLL






Cantiga de roda



"Bota terra no meu lenço,
pra plantá manjericão."
— Ai! versos da minha infância,
meus anos não volverão.

"Atirei um limão verde
por cima da sacristia."
— Ai! vozes que me prenderam
a um passado de alegria!

"Menina, minha menina,
cinturinha de retrós."
— Ai! balcão de nossa loja,
onde andarão meus avós?

"O cravo brigou com a rosa
defronte de uma sacada."
— Ai! cantigas esquecidas,
crianças de mãos trançadas.

"Roda, roda cirandinha,
vamos todos cirandar."
— Ai! prendas da minha infância,
deixem meus olhos chorar!

"Lá vem o sol, vem chegando
redondo como um botão."
— Ai! joguem terra em meu corpo
mas deixem meu coração.

Ai! joguem terra em meu corpo
mas poupem meu coração.

Botem terra no meu corpo
mas plantem manjericão!



- Lila Ripoll, em "O coração descoberto". 1961.


Biografia AQUI

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

EUGÉNIA TABOSA






Sonhei Comigo


Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De longe vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar

Eugénia Tabosa


Eugénia Tabosa, é mais uma das repetentes neste espaço. AQUI podem ler mais um poema e conhecer a biografia da poetisa.