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terça-feira, 28 de julho de 2020
ANA MARIA MARQUES
Barcos de papel
Os poemas em geral são feitos de palavras
no papel
seria melhor se fossem de pano
porque poderiam tomar chuva
ou de madeira
porque sustentariam uma casa
mas em geral são feitos de palavras
no papel
e por isso servem para poucas coisas
entre as quais não se encontra
tomar chuva
ou sustentar uma casa.
Dobrados sobre si mesmos,
lançam-se no mundo
com a coragem suicida
dos barcos de papel.
- Ana Martins Marques, em "A vida submarina". Belo Horizonte: Scriptum, 200
Biografia AQUI
sábado, 18 de julho de 2020
LARA DE LEMOS
Cantilena nordestina
Um dois
canga no lombo
carga de boi
Três quatro
quatro meninos
no quadro do quarto.
Cinco seis
na cova a miséria
cem anjos fez
Sete oito
nem pão nem farinha
café sem biscoito
Oito nove
nem verde nem planta
a chuva não chove.
Nove dez
ninguém se incomoda
pobre tu és.
- Lara de Lemos, em "Palavravara". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 96.
Biografia AQUI
segunda-feira, 13 de julho de 2020
FRANCISCA JÚLIA
Poeta, quando te leio, a angústia dolorida
Que te mina a existência e que em teu peito impera,
Faz-me também sofrer, d´alma se me apodera,
Como se da minh´alma ela fosse nascida.
Sinto o que sentes: ora a lágrima sincera
Que foi pela saudade ou pelo amor vertida,
Ora a mágoa que habita em tua alma, -- guarida
Onde a negra legião das mágoas se aglomera.
Não há nos versos teus um sentimento alheio
À dor; neles se encontra a aspereza das fráguas;
Há neles ora o suave e módulo gorjeio
Das aves, ora a queixa harmônica das águas...
Leio os teus versos; e, em minh´alma, quando os leio,
Vai gemendo, em surdina, a música das mágoas...
terça-feira, 7 de julho de 2020
MARIA DE LOURDES DOS ANJOS
PORTO
.
O velho Porto é feito de calçadas e vielas,
de roupa lavada a bailar nas janelas.
De alminhas com flores e velas.
De telhados coscuvilhando a rua.
E o velho Porto continua…
por frontarias de granito
por degraus gastos e incertos
por portais que não se deixam fechar
por ilhas prenhes de gente e viúvas de mar.
O Porto há-de ser, eternamente,
um estranho segredo a desvendar
um misto de paz e guerra
um silêncio e um grito
uma coroa d’água cinzelada
uma saudade magoada
um abraço apertado
um coração real apaixonado
um raio de sol ferido
um palavrão atrevido
UM PORTO ENEVOADO E SENTIDO.
Maria de Lourdes dos Anjos
Não encontrei a biografia de poetisa, embora a Internet tenha muitos poemas e outros trabalhos seus. Sei apenas que é professora.
.
sábado, 4 de julho de 2020
FLORA FIGUEIREDO
Beijos
Procure embaixo de sua saudade,
um beijo meu.
Em algum instante da despedida
ele se perdeu,
mergulhado, talvez,
numa lágrima perdida.
Não possui nada de especial:
a dose de açúcar
que no beijo é natural,
a umidade das várias emoções.
Com uma certa tendência
a contravenções,
é melhor que seja procurado
em lugares proibidos,
onde ele pense jamais ser encontrado.
Carrega de um lado
uma meia-tristeza conquistada
nos desatinos de uma noite,
daquelas em que a lua vem quebrada;
do outro lado, um sorriso
de quem sabe como chupar estrelas.
Sobraram-lhe sequelas e aderências
das muitas experiências
de quem já foi bolinar o paraíso.
Se for capaz de encontrá-lo,
devolva prontamente,
pois é evidente a falta que ele faz.
- Flora Figueiredo, em "Amor a céu aberto". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
Biografia AQUI
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