RETRATO PUÍDO NAS ENTRANHAS
Palmeiras inclinadas. Ao longe o casario.
É na água que o vejo, que sinto a cidade acordar.
Mais uma mulher que olha o rio. Tenho as mãos desatadas,
os pés a caminho. As margens alargam quando estou perto,
mas do outro lado as mulheres não reflectem
o rosto ou mesmo a sua ausência.
São matéria do verbo fazer e caminham junto ao chão,
na curva da noite para o marido. Gastos os sonhos por usar.
Descorado pano que ficou ao sol. Nelas a cidade não acorda,
não regressam os barcos à tardinha.
Vêm pela beira dos caminhos, a tristeza amável,
a raiva cega e às vezes um sorriso que sacode os ombros
porque até a tristeza tem um custo, uma esperança
na sola do sapato. Vejo-as todos os dias e é como se a vida
me atasse os pés, me anelasse os dedos. Como eu,
outras mulheres olhando o rio, desbordando o pano,
descozendo a sopa. Ama-se o homem que vira a esquina
connosco e sabe que não podemos fingir que a ferida
está fechada. As casas acendem.
É na água que vejo a sua luz descendo o rio.
As mulheres passam em silêncio para as casas,
atravessam a pele – deixam um retracto puído nas entranhas.
Olho o rio e não sei fingir que finjo tanto mar.
Biografia AQUI
6 comentários:
Olá, querida amiga Elvira!
Um poema sobre o cotidiano onde se finge muitas coisas e vai se vivendo como se nada estivesse acontecendo. Muitas vezes, por não se poder fazer nada em contrário.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos
Um poema intenso e delicado ao mesmo tempo, este, de Rosa Alice Branco, poeta que muito admiro. Gostei de a encontrar aqui.
Tudo de bom, minha Amiga Elvira.
Um bom feriado e uma boa semana.
Um beijo.
Obrigada por dar a conhecer!!! 👏👏👏😘
Belas palavras.
Boa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
Que belo poema!
Muito grata pela divulgação.
Um beijinho
É a primeira vez que leio, Rosa Alice Branco, e gostei muito da profundidade deste poema.
Excelente partilha .
Abraço***
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