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domingo, 20 de julho de 2008

FIAMA HASSA PAIS BRANDÃO


Roupa



Aquela saia roda
como o topo do moinho de pás,
o que em mim confirma agora
que o vento me reveste.

*

Quando depois do nascimento me vestiram,
a roupa então em mim resplandeceu.
Mas estava nua, sem cambraia
ou a memória simples dela nos sentidos.
Nua e solene, com a roupa alheia
em tomo do meu corpo. E ignorava
valor, matéria e as pompas
que entregam roupas e versos ao comércio.
Acreditava só que o gesto amado
de me cobrirem de panos ao nascer
seria a minha glória

*

O pequeno velo de roupa é
o da imaginação. Vestiram-me
para me velar, como janelas afloram
nas casas ou como a palha envolve
medas. As escassas vestes
nas montras eram também
sinais da imaginação. E a linha
nas mãos da costureira assim
imaginada era.

*

Tão devagar cosia pelo traço do giz
a máquina que os pés moveram balançando
quanto os meus olhos devagar seguiram
o traçado dos pontos e o meu espanto
de ver a ordem surgir dos riscos soltos.
O rosto atento caía sobre o pano
que pouco a pouco me tomava a forma
do meu corpo tocado pela luxúria
de tão belos cetins, veludos
inverosímeis e, como tudo o que
a memória gera, fontes de dores.

*

O tépido calor cobre-me
por fora de tules em flor.
As folhas do loureiro ridentes
assemelham-se ao meu vestido
de verde cassa. Agradeço, pois, às bocas
de parentes os nomes ditos.

*

Todas as roupas usadas
próprias do Verão são aquele
vestido único, porque me haviam dito
que ao entrar pelos olhos
ele me cobria de fulgor.

*

Com a saia de tobralco leve passei
entre as nossas hortas, águas do poço,
coisas da quinta tão diversas todas.
E amei cada um dos vários nomes,
e também as palavras especiosas
que na retrosaria designam o belo fio
e aquelas que me mostravam os tecidos
em sequências de alucinações novas.



Fiama Hassa Pais Brandão

Biografia
Nasceu em 1938, em Lisboa. Poetisa, dramaturga, ficcionista e ensaísta. Viveu numa quinta em Carcavelos até aos 18 anos, tendo então mudado para Lisboa, de onde saiu em 1992 para voltar a viver numa quinta.Foi aluna do Colégio Inglês de Carcavelos - St. Julian's School - durante dez anos e frequentou o curso de Filologia Germânica, até ao 3º ano, na Universidade de Lisboa. Exerceu crítica de teatro, acompanhou o trabalho do Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, estagiou em 1964 no Teatro Experimental do Porto, frequentou um seminário de Teatro de Adolfo Gutkin na Gulbenkian em 1970. Em 1974, foi um dos fundadores do Grupo "Teatro Hoje", sendo a sua primeira encenadora com Marina Pineda, de Lorca. Tem feito pesquisa histórica e literária sobre o séc.XVI em Portugal. Tem feito traduções do Alemão, do Inglês e do Francês, de autores como John Updike, Bertold Brecht, Antonin Artaud, Novalis, Anton Tchekov e do Cântico Maior, atribuido a Salomão.Revelada, como Gastão Cruz, no movimento Poesia 61, que revolucionou a linguagem poética portuguesa dos anos 60, Fiama veio a demonstrar ser uma das principais vozes poéticas da sua geração. A sua obra caracteriza-se por uma grande densidade da palavra, o uso de uma poesia discursiva, por vezes fragmentária, de grande rigor e depuramento formal, desde Barcas Novas (1967), seu segundo livro, sempre entrelaçando no discurso a metáfora e a imagem. Com a publicação de Obra Breve (1991), Fiama procede a uma reorganização de toda a sua obra poética até à data, incluindo inéditos, de acordo com uma ideia de poesia como processo vivo. Como dramaturga, é autora de várias peças, algumas das quais já representadas em Lisboa, Rio de Janeiro e Nancy. Na sua poesia, cria um tempo e um espaço, por onde caminha entre percepções e memórias,lugares e pequenos sobressaltos, num registo sempre preciso e contido.

(da net)

Amigos, devido a uma cirurgia, estarei ausente durante algum tempo que espero não seja muito. Peço desculpa, não retribuir visitas. Obrigada pela vossa amizade e compreensão.

6 comentários:

mundo azul disse...

Um belo poema onde se cruzam os doces e amargos da poetisa...

Beijos de luz e o meu carinho!!!

Heduardo Kiesse disse...

vidas em comum em palavras doridas!
um dia sonho fazer parte da tua lista no teu canto esquerdo :-)

Heduardo Kiesse disse...

vidas em comum em palavras doridas!
um dia sonho fazer parte da tua lista no teu canto esquerdo :-)

Isamar disse...

Elvira

Gosto muito da poesia da Fiamma. Também ela gostava muito do mar. Infelizmente a sua obra é pouco divulgada. Uma grande poeta que foi casada com o também poeta e algarvio, Gastão Cruz. Amiga de José Afonso, o nosso grande Zeca, visitava com frequência o Algarve e a ilha da Fuseta entre outras.
Obrigada por a teres trazido até aqui.
Beijinhos

Boas melhoras, amiga!

João Videira Santos disse...

Muito interessante este seu reavivar de poetas. Muitos deles pouco lembrados. Infelizmente...

Delfim Peixoto disse...

Gostei de recordar com a música de fundo ( de ZEca afonso)

Bjs
Voltarei, se permitido