Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte
Natália Correia, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"
Natália Correia já é repetente neste espaço pelo que a sua biografia já foi publicada
7 comentários:
Mais uma linda poesia dessa autora! Gosto!beijos, chica
Maravilhoso poema de uma grande escritora.
Amei
Beijo. Um dia Feliz.
Grande Natália !!
Belo poema, magnificamente cantado por José Mário Branco,
Beijinho, bom feriado, feliz Maio!
A ironia sarcástica e triste habitual nos poemas desta Mulher valente e sem papas na língua.
Boas escolhas para hoje, Elvira.
Gostei muito.
Abraço, bom resto de semana.
Olá, estimada Elvira!
um poema tão completo, qto irreverente. escritora de gabarito, embora um tanto "complexa" e "complicada", em minha opinião, reconhecendo-lhe eu, todavia, o seu enorme mérito. A sua escrita e forma de ser "perturbava-me", não por dizer algumas verdades, mas pela maneira como as dizia. Morreu cedo, mas deixou obra, como todo e qualquer bom "marginal".
Conhecia-a, pessoalmente, no seu Botequim, bar na Graça, onde fui com colegas e professores universitários, nos finais dos anos 80, inícios de 90 e o ambiente lá era irrespirável, tanto no que diz respeito ao tabaco, qto ao álcool. Ninguém me obrigou a ir lá, mas eu tinha curiosidade em saber como era, quem era etc. Natália tinha noites, mto diferentes umas das outras. Creio que não era bipolar, mas, por vezes, parecia.
muitos intelectuais apareciam por lá, religiosamente, mas por vezes falava-se de tudo e de nada. As taxas de alcoolemia já faziam das suas.
Qto às minhas mãos, estão um pouco melhores, mas precisam de mto mais tempo para ficarem satisfatórias.
Beijos e um grande abraço.
Para mim uma bela apresentação Elvira desta escritora com uma poesia critica e de definições profundas e interessantes.
Valeu Elvira.
Abraços com carinho.
Um bom fim de semana.
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