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terça-feira, 1 de maio de 2018

NATÁLIA CORREIA







Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

        Natália Correia, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

Natália Correia já é repetente neste espaço pelo que a sua biografia já foi publicada

7 comentários:

chica disse...

Mais uma linda poesia dessa autora! Gosto!beijos, chica

Cidália Ferreira disse...

Maravilhoso poema de uma grande escritora.
Amei

Beijo. Um dia Feliz.

São disse...

Grande Natália !!

Belo poema, magnificamente cantado por José Mário Branco,


Beijinho, bom feriado, feliz Maio!

Janita disse...

A ironia sarcástica e triste habitual nos poemas desta Mulher valente e sem papas na língua.

Boas escolhas para hoje, Elvira.
Gostei muito.
Abraço, bom resto de semana.

CÉU disse...

Olá, estimada Elvira!

um poema tão completo, qto irreverente. escritora de gabarito, embora um tanto "complexa" e "complicada", em minha opinião, reconhecendo-lhe eu, todavia, o seu enorme mérito. A sua escrita e forma de ser "perturbava-me", não por dizer algumas verdades, mas pela maneira como as dizia. Morreu cedo, mas deixou obra, como todo e qualquer bom "marginal".

Conhecia-a, pessoalmente, no seu Botequim, bar na Graça, onde fui com colegas e professores universitários, nos finais dos anos 80, inícios de 90 e o ambiente lá era irrespirável, tanto no que diz respeito ao tabaco, qto ao álcool. Ninguém me obrigou a ir lá, mas eu tinha curiosidade em saber como era, quem era etc. Natália tinha noites, mto diferentes umas das outras. Creio que não era bipolar, mas, por vezes, parecia.

muitos intelectuais apareciam por lá, religiosamente, mas por vezes falava-se de tudo e de nada. As taxas de alcoolemia já faziam das suas.

Qto às minhas mãos, estão um pouco melhores, mas precisam de mto mais tempo para ficarem satisfatórias.

Beijos e um grande abraço.

Toninho disse...

Para mim uma bela apresentação Elvira desta escritora com uma poesia critica e de definições profundas e interessantes.
Valeu Elvira.
Abraços com carinho.
Um bom fim de semana.

Unknown disse...

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