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sexta-feira, 13 de março de 2009

HENRIQUETA LISBOA



Infância




E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;
nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termomêtro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!


Henriqueta Lisboa


Biografia
Poetisa, Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari, MG, em 1903 e morreu em Belo Horizonte em 1985.Surgindo no decênio da Semana de Arte Moderna, Henriqueta marcou o seu lugar, em nossas letras, num tom que tanto se distanciou da objetividade realista quanto da musicalidade ultra-simbolista e das tropelias lúdicas do Modernismo. Vinha para descobrir pouco a pouco o seu próprio caminho. Só. Figura solitária. Sua poesia confunde-se com o afã de tangenciar o indizível, de ultrapassar os limites léxico-semânticos da palavra e, afinal, como queria Rilke, de penetrar a essência da poesia. Por isso nos comove tanto, sem recorrer a qualquer artifício sentimental. Sentimos que seus versos são a secreção de uma vida e não apenas um devaneio caprichoso. As palavras vêm para ela, como se não fossem símbolos ou arquétipos, valores ou sinais, mas as próprias coisas, os próprios sentimentos, as próprias sensações. É perfeição de natureza ascética, adquirida à força de difíceis exercícios espirituais, de rigorosa economia vocabular. Atingiu-se o momento em que a poesia se oferece, direta e simples, mas de uma simplicidade que significa paradoxalmente maior complexidade e riqueza interior. Henriqueta Lisboa é dos maiores poetas em língua portuguesa.




(Esse "arranjo crítico" foi feito com frases de Guilhermino César, Ivan Junqueira, Carlos Drummond de Andrade, João Gaspar Simões, Manuel Bandeira, Alphonsus de Guimaraens Filho e Otto Maria Carpeaux sobre a obra de Henriqueta Lisboa) obrasFogo-Fátuo (1925)Enternecimento (1929)Prisioneira da Noite (1941)A Face Lívida (1945)Flor da Morte (1949)Poemas (1951)Azul Profundo (1956)Lírica (1958)Além da Imagem (1963)Nova Lírica (1971)Reverberações (1976)Pousada do Ser (1982)Presença de Henriqueta Lisboa (1992)


Biografia e foto da net

5 comentários:

Mare Liberum disse...

Regressei à infância e vi-me na praia a brincar com estes meninos. Gostei do poema mas a imagem é muito, muito bonita.

Beijinhos

Bem-hajas!

Sonia Schmorantz disse...

Enquanto lia, voltei à infancia, quantas situações assim, foi há tanto tempo que parece outra vida, ou melhor, só uma das várias vidas que vamos tendo nas diferentes fases até nos apagarmos...
beijos e ótimo final de semana

Anónimo disse...

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Cöllybry disse...

Regressar há infância, faz renascer a criança que deveremos manter...Belo post...

Terno beijo

Maria Clarinda disse...

Maravilha...
Jinhos e mais uma vez...obrigada pela partilha!