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terça-feira, 24 de junho de 2008

IRENE LISBOA


Afrodite


Formosa.
Esses peitos pequenos, cheios.
Esse ventre, o seu redondo espraiado!
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado,
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo,
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha
cariciosa do ombro...
Afrodite, não chorei quando te descobri?
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia
e de Roma!
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de
frontes tranquilas, abstractas...
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necrópole.
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divagadores,
ente si trocando serenas, eternas e nunca
desprezadas razões formais.
Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo...
O descanso desse teu gesto!
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo.
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre.
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão
provocante de pudor, de volúpia, de
reserva, de abandono...
Já passaram sobre ti dois mil anos?
Estranha obra de um homem!
Que doçura espalhas e que grandeza...
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo.
Não és mística, não exacerbas, não angústias.
Geras o sonho do amor.
Praxíteles.
Como pudeste criar Afrodite?
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de
a vencer, gozar!
Tinha de assim ser.
Eternizaste-a!
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne...


Irene Lisboa

Dados biográficos

Irene do Céu Vieira Lisboa (1892-1958) nasceu no Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos, e faleceu em Lisboa. Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa e fez estudos de especialização pedagógica na Suíça, França e Bélgica, tendo contactado com Piaget, em Genebra.
Foi um dos nomes mais importantes da "escrita feminina" portuguesa do século XX. Estreou-se em 1926, com o livro de contos, 13 Contarelos a que se seguiram dois livros de poesia.
Também sob os pseudónimos de Manuel Soares e João Falco, é autora de uma vasta obra, pouco conhecida, que se reparte entre a ficção intimista e autobiográfica, a crónica, o conto (para crianças e adultos), a poesia, a pedagogia e a crítica literária.
Professora primária e pedagoga de grande mérito e activa intervenção cívica, era amiga de José Rodrigues Miguéis e foi colaboradora da Seara Nova
A sua escrita é, por vezes, considerada como inserindo-se no "saudosismo", tendência da literatura portuguesa que radica na obra de Teixeira de Pascoaes e no grupo da Renascença Portuguesa e que se mantém relativamente à margem das correntes estéticas suas contemporâneas. No entanto, a sua sensibilidade crítico-poética é difícil de encaixar seja em géneros convencionais, seja em correntes literárias conhecidas.
De todas as escritoras suas contemporâneas, Irene Lisboa é, sem dúvida, aquela que recebeu maior reconhecimento crítico, nomeadamente de José Régio, João Gaspar Simões e Vitorino Nemésio. No entanto, a sua obra não pareceu merecer grande popularidade junto do grande público.
Mais recentemente, a memória de Irene Lisboa permanece em numerosas ruas, avenidas e pracetas com o seu nome, bem como em homenagens que lhe são frequentemente prestadas por escolas e institutos portugueses.

Obra
Treze contarelos (1926),
Um Dia e Outro Dia... _ Diário de Uma Mulher (poesia, sob pseudónimo João Falco, 1936),
Outono Havia de Vir (poesia, sob pseudónimo João Falco, 1937),
Solidão: Notas do Punho de Uma Mulher (poesia, sob pseudónimo João Falco, 1939),
Esta Cidade! (contos, Irene Lisboa [João Falco], 1942),
Apontamentos (1943)
Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma (contos, 1955),
Voltar Atrás para Quê? (novela, 1956),
Título Qualquer Serve (novelas, 1958),
Queres ouvir? Eu Conto _ Histórias para Maiores e mais Pequeninos (1958),
Crónicas da Serra (s/d [1958]),
Solidão II (prosa, s/d [1966], 1974),
Versos Amargos (inéditos incluídos no vol. I das Obras Completas, Presença, 1991)
(Texto elaborado por pesquisa na net)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

ALDA ESPIRITO SANTO




Onde estão os homens caçados neste vento de loucura

O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Ai o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando pela vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
... Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
- Que fizeste do meu povo?...
- Que respondeis?
- Onde está o meu povo?
...E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...

(É nosso o solo sagrado da terra)


Alda Graça

Biografia

Alda Espirito Santo, também conhecida por Alda Graça, nasceu em São Tomé em 1926 e teve a sua educação em Portugal. Ainda freqüentou a Universidade, mas teve que abandonar, em parte devido às suas atividades políticas, mas também por motivos econômicos.
Regressou a São Tomé, onde trabalhou como professora.
Ali exerceu alguns cargos governamentais nas áreas da Educação, da Informação e da Cultura e foi deputada e Presidente da Assembleia Nacional.
É actualmente Presidente da União Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe, cargo que acumula com a Presidência do Fórum da Mulher de S. Tomé e Príncipe.
Os seus poemas aparecem nas mais variadas antologias lusófonas, bem como em jornais e revistas de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.
Sendo uma das mais conhecidas poetizas africanas de língua portuguesa, ocupou alguns cargos de relevo nos governos de São Tome e Príncipe, nomeadamente foi Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e Cultura e Deputada.
É dela a letra do Hino Nacional de S.Tomé e Príncipe.

Independência total

Independência total
Glorioso canto do povo
Independência total
Hino sagrado combate
Dinamismo
Na luta nacional
Juramento eterno
No país soberano
De São Tomé e Príncipe
Guerrilheiro da guerra sem armas na mão
Chama viva na alma do povo
Congregando os filhos das ilhas
Em redor da Pátria Imortal
Independência total, total e completa
Construindo no progresso e na paz
A Nação mais ditosa da terra
Com os braços heróicos do povo
Independência total
Glorioso canto do povo
Independência total
Hino sagrado combate
Trabalhando, lutando e vencendo
Caminhamos a passos gigantes
Na cruzada dos povos africanos
Hasteando a bandeira nacional
Voz do povo, presente, presente em conjunto
Vibra rijo no coro da esperança
Ser herói na hora do perigo
Ser herói no ressurgir do país
Independência total
Glorioso canto do povo
Independência total
Hino sagrado combate
Dinamismo
Na luta nacional
Juramento eterno
No país soberano
De São Tomé e Príncipe

HINO NACIONAL DE São Tomé e Príncipe.

Depois de publicar "O Jogral das Ilhas, em 1976, publicou em 1978 "É nosso o solo sagrada da terra", o qual é até ao momento o seu trabalho mais importante.

Obra poética:
O Jogral das Ilhas, 1976, São Tomé, e. a.;

É Nosso o Solo Sagrada da Terra, 1978, Lisboa, Ulmeiro.

terça-feira, 10 de junho de 2008

NATERCIA FREIRE



(Foto da net)


Os enjeitados

Carregando os caixões nos magros ombros
Enterrando na polpa das montanhas
Os tornozelos de aço,
Rasgando no ar fino agudas frestas
Caminham lentamente os enjeitados.

Escasseia-Ihes emprego nas florestas
Nas bancas da cidade revoluta
E transportam a morte com cuidado.

Os pais ocultam-se em locais limites.
Levam aos ombros mitos sem limites
Com seus nomes em cera desenhados.

Ao pôr do sol escutaram a chamada
Que vinha sempre errada.
E sentaram-se à mesa num lugar
Entre desconhecidos e estrangeiros.

Vinha um sopro de lar
De uma língua de tempos derradeiros.
Os silêncios depois cavaram vales.
As margens sepultaram os seus leitos.
Escalaram as montanhas sem vontade.

Fabricaram metralha no seu peito.
Pediram filhos a planetas mortos.
Dormiram com saudades mutiladas.

Beberam sonhos pelo mesmo copo.
Fugiram das cidades em partilha.
Deram as mãos. Sentaram-se a chorar
No choro de uma ilha.

Chove-lhes fogo em dias de criança.
Chove-lhes fel em dias ensombrados.
Jovem povo sem esperança
Desde o ventre da mãe, os enjeitados.

Ocupados no mapa das viagens,
Exaltados no tempo de ir a Marte.
Todos heróis, políticos e pajens
De Herodes e Medeias,
Abrem os pais as veias.

No ar, jorra em cadeias de cadência,
O sangue colectivo de uma ausência.



Natércia Freire


Nascida em Benavente (Santarém) em 1919, Natércia Freire deixou várias obras de poesia, entre as quais "Os Intrusos", pelo qual recebeu o Prémio Nacional de Poesia em 1971. "Rio Infindável" (1947) e "Anel de Sete Pedras" (1952), ambos galardoados com o Prémio Antero de Quental, e "Antologia Poética", editada pela Assírio & Alvim em 2001, fazem parte também da obra poética de Natércia Freire. Na prosa são conhecidos vários contos.A incursão no mundo da poesia aconteceu com a ajuda de José Osório de Oliveira, por intermédio de quem abandonou a composição musical. Editou o seu primeiro livro de poesia, "Castelos de sonho", em 1935, ao qual se seguiria "O meu caminho de luz". A colaboração com publicações periódicas surigiria três anos depois a partir de 1938 começou a participar em várias revistas e jornais. É já no final da década de 40 que inicia a colaboração com o jornal "Diário de Notícias". Na área do jornalismo, distinguiu-se ainda pela coordenação, entre 1954 e 1974, da Página de Artes e Letras daquele jornal, o que lhe valeu o reconhecimento junto de jornalistas e escritores portugueses. Aí organizou um espaço onde colaboraram artistas plásticos e escritores de todos os quadrantes, nacionais e estrangeiros.Natércia Freire assinava, desde os anos 40, uma rubrica na Emissora Nacional, exercendo, paralelamente, uma ampla actividade como conferencista. A partir de 1974 retirou-se da vida literária nacional, apenas marcando presença discreta em algumas publicações periódicas.Em 1991 e 1995 editou a sua obra poética completa com a chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda.

Biografia da net

terça-feira, 3 de junho de 2008

NATÁLIA CORREIA


foto da net

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia

Natália de Oliveira Correia nasceu na ilha de São Miguel, Açores, em 13/09/1923 e morreu em Lisboa em 16/03/1993. Importante figura da cultura portuguesa da segunda metade do século XX, notabilizou-se como poetisa e como política, tendo sido eleita deputada pelo Partido Socialista. Obras poéticas: Rio de Nuvens (1947), Poemas (1955), Dimensão Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), Cântico do País Imerso (1961), O Vinho e a Lira (1966), Mátria (1968), As Maçãs de Orestes (1970), Mosca Iluminada (1972), O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (1973), Poemas a Rebate (1975), Epístola aos Iamitas (1976), O Dilúvio e a Pomba (1979), Sonetos Românticos (1990), O Armistício (1985), O Sol das Noites e o Luar nos Dias (1993), Memória da Sombra (1994, com fotos de António Matos). Ficção: Anoiteceu no Bairro (1946), A Madona (1968), A Ilha de Circe (1983). Teatro: O Progresso de Édipo (1957), O Homúnculo (1965), O Encoberto (1969), Erros meus, má fortuna, amor ardente (1981), A Pécora (1983). Ensaio: Poesia de arte e realismo poético (1958), Uma estátua para Herodes (1974). Obras várias: Descobri que era Europeia (1951 – viagens), Não Percas a Rosa (1978 – diário), A questão académica de 1907 (1962), Antologia da Poesia Erótica e Satírica (1966), Cantares Galego-Portugueses (1970), Trovas de D. Dinis (1970), A Mulher (1973), O Surrealismo na Poesia Portuguesa (1973), Antologia da Poesia Portuguesa no Período Barroco (1982), A Ilha de São Nunca (1982).
biografia da net